Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Alma Gentil – Raízes

“ALMA GENTIL – RAÍZES”

Álvaro Alves de Faria, pelo seu lirismo, talvez seja o
mais português dos poetas brasileiros.

Affonso de Romano SantAnna

O poeta

POESIA DE PORTUGAL

Álvaro Alves de Faria

Reúno neste “Alma Gentil-Raízes” a poesia que colhi em Portugal, a partir de 1998, quando participei do Terceiro Encontro Internacional de Poesia, na Universidade de Coimbra, a convite  da escritora e professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Graça Capinha. Decidi, então, deixar de lado este país em que vivo, em que poesia não há mais, pelo menos no que diz respeito ao meu entendimento e descontadas algumas exceções, que existem, felizmente.

Repito aqui o que tenho dito nos eventos culturais dos quais participo: nada tenho a ver com a poesia brasileira o que, convenhamos e sinceramente, não exprime significado nenhum, importância qualquer. Recorro a Manuel Bandeira,  a um único verso do poema “Testamento”, que escreveu no dia 29 de janeiro de 1943: “Sou um poeta menor, perdoai!”.

Ocorre que levei-me para Portugal inclusive por questão existenciais e não apenas literárias. Uma viagem para dentro de mim. Aqui estão sete livros publicados no país de meus pais. Sete livros dos quais me orgulho, assim como me orgulho dos livros publicados  no Brasil quando eu era ainda um poeta brasileiro, que não sou mais. Continuo poeta, sim, mas em Portugal. No Brasil, não. Minha relação com o Brasil é apenas geográfica e ocasional.

Pertenço à Geração 60 de poetas deste país e, no que diz respeito a São Paulo, de acordo com meu critério de avaliação, formamos um grupo de poetas decentes. Absolutamente decentes. Admito que, a esta altura de minha vida, não tenho mais tempo de devaneios literários. Aliás, nunca tive devaneios literários. Assim, tento suportar-me na medida do possível. A poesia, no entanto, se não morreu, deve estar em algum lugar. No que me diz respeito e ao que me interessa, está em Portugal. Quero apenas viver, mesmo sendo um ex-poeta brasileiro. Viver o que me cabe. Já me é o bastante.

Em 2007, participei, como homenageado, do X Encontro de Poetas Iberoamericanos, em Salamanca, Espanha, nesse ano dedicado ao Brasil. Tive uma antologia lançada no evento, com poemas selecionados e traduzido pelo poeta peruano-espanhol Alfredo Pérez Alencart, da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca.

No discurso que fiz no no Salón de Recepciones del Ayuntamiente de Salamanca, disse o seguinte, juntando alguns trechos: “Eu venho de um país onde a poesia, infelizmente, tornou-se uma coisa rara”/…/”Sou uma espécie de dissidente da poesia brasileira, pelo menos a que se produz atualmente, descontando as exceções de poetas verdadeiros que têm a poesia como um ofício de vida”/…/Talvez essa poesia produzida atualmente no Brasil, sem qualquer sentimento, sem qualquer tipo de emoção, tudo amparado por um jornalismo cultural que muitas vezes chega a ser indecente, seja um dos retratos mais fiéis de meu país. O poema que se nega à própria poesia. No meu país, os poetas – em sua grande maioria – transformaram-se em tecnocratas do poema”/…/ ”O Brasil é uma ferida que tenho em mim, que sangra, sangra, sangra, sangra, sangra. Um país que sangra. Sangra dentro de mim”/…/ “Por motivos assim, busquei a poesia em Portugal, para salvar-me na terra de meus pais, onde vivem minhas raízes e talvez os últimos sonhos que ainda tenho para viver em forma de poesia, que é minha respiração”/…/ “Muitas vezes me olho no espelho e me pergunto quem sou. Não sei me responder, porque na verdade não sei mesmo quem sou, mas sei o que sou. Sou apenas um homem que preferiu a poesia para viver, que preferiu a poesia como ética de vida, que preferiu a poesia para sentir o mundo”.  

Numa palestra que fiz na Oficina de Poesia  da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal, dirigida por Graça Capinha, em 2000, e também apresentada em seminário que realizei em Belém, no Instituto de Artes do Pará, a convite do poeta João de Jesus Paes Loureiro, destaquei que “a poesia brasileira, salvo exceções honrosas, está mergulhada numa densa escuridão”. Disse também, que “no Brasil, este é um tempo que transforma compositores de música popular em poetas grandiosos. Um deboche”. E acrescentei: “Os tecnocratas da poesia no Brasil querem a morte da palavra. Os tecnocratas da poesia querem a morte do poema. Os tecnocratas do poema querem a morte da poesia”.

Por tudo isso, sou um ex-poeta brasileiro – o que, repito, não tem nenhum significado prático ou literário – sou um poeta estrangeiro em meu próprio país.  Sei que estas afirmações são recebidas com descrédito até mesmo por amigos diletos nessa trajetória poética, neste percurso às vezes doloroso percorrido ao longo dos anos.

Servem-me, como nunca, palavras de José Saramago, numa noite em Lisboa, ao dizer-me que ser um escritor, um poeta, é uma maneira de compreender o mundo, as pessoas, os desencantos, as angústias, os temores, as alegrias possíveis. É assim que penso. Mas não no Brasil, um país distante de mim. Sou um mau brasileiro ? Sou.

Faz algum tempo escrevi uma frase para mim mesmo: “Sou um brasileiro estrangeiro no Brasil”. É exatamente assim que me sinto, especialmente em relação à poesia. Mas esse desencanto também envolve o cidadão que ainda julgo ser.

A poesia deixou de existir diante da mentira, da mentira política, da mentira literária, da mentira dos discursos oficiais, de todas as mentiras que eu, particularmente, não consigo mais suportar. Minha alma – se é que ela existe – está Portugal. Equivale dizer minha poesia e minha vida. Mas como escrevi acima, isso não tem significado nenhum, importância qualquer. Absolutamente nenhuma. Acredito, no entanto,  que o que vale, mesmo, é que minha decisão me representa o resgate de mim mesmo. Representa minha integridade diante da literatura e especialmente diante da poesia.

Sou mesmo um poeta português, até porque tenho dupla nacionalidade. Minha poesia está em Portugal. Para mim, o Brasil deixou de existir, até que novos ventos soprem por estas paisagens destruídas pelos mentirosos de sempre.

Para concluir, reproduzo trechos de dois poemas de meu livro Babel, de 2007, que, na verdade – basta lê-lo com alguma atenção-  representa meu rompimento com essa poesia produzida atualmente neste país  – salvo algumas exceções, repito – que não aceito mais. Esses versos são meu sentimento puro:

Sou um poeta em via de extinção

daqueles que acreditavam no sonho

sobretudo na poesia.

 

Daqueles que utilizam as palavras para escrever

e nesse exercício solitário deixavam que a vida

escorresse no poema.

 

Por fim, quatro versos de um poema do mesmo Babel que representam minha verdade em relação ao que me cerca, essa sombra que aos poucos envolve tudo, que destruiu a identidade da literatura poética brasileira:

 

Para mim todas as noites são iguais.

Mas em Portugal é diferente:

as aves que aqui gorjeiam

não gorjeiam como lá.

 

São Paulo,

9 de fevereiro de 2008

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