Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Inês – Coimbra 3

ALGUNS POEMAS DE “INÊS”

1.

Por assim vos ver, Inês,

deitada à morte a face branca,

por assim

ver desfeito meu sonho,

por assim ver a ferida

em vosso aceno perdido,

não calarei em mim

a fúria de meu amor,

nem deixarei que de vosso sangue

se perca essa dor que por dentro

arranca-me

talvez a alma que desconheço.

 

Nem deixarei que as tardes sejam iguais

e deste dia em diante, Inês,

será vosso o reino de meu reino,

esse que trago escondido

sob as pálpebras,

para que melhor possa pressentir

vossa presença.

 

3.

Porque calais em mim tamanho pranto,

deixo que morra aqui vosso destino,

marca-me o ferimento em vosso espanto,

o que me aguarda em vós, por desatino.

 

Já sabereis, Inês, em vosso encanto,

o que da vida a fúria que previno

ao vos guardar em mim, mas sei, no entanto,

que esta dor vai além do que imagino.

 

Morta em silêncio, Inês, assim perdida,          

vós rainha que sois no encantamento

que sempre tive em mim por vossa vida.

 

Em vossa morte, Inês, em desencanto,

a voz que some e grita meu lamento

na dor que guardo agora como um manto.

 

5.

Por vós me calo nesta hora

em vossa morte:

ainda sois bela, Inês,

e ao vos deixar partir em Coimbra,

deixo também o que por amor

me mata a vida.

 

Deixo que se calem as aves

que a tarde não há mais, Inês,

aceno de mãos feridas que guardastes

a segurar a face na palavra contida à boca,

golpe fatal em vosso espanto,

o corpo imóvel na terra

em que também permaneço,

tão funda ferida que vos tira de mim.

 

Por vós morreram os dias, Inês,

os que nasciam junto às janelas,

a morte que me apavora

porque não morro convosco

como devia morrer ao vosso lado.

 

Tenho por sina viver

o que me resta de vosso amor,

a cada instante lembrar

dos cortes cruéis em vosso peito,

destino que não foi traçado

em vossa morte por mim desfeito.

 

 8.

Também meu coração atravessou

essa espada que vos feriu, Inês,

também a mim cortou a seiva da vida,

essa lâmina de corte profundo

que vos tirou a alma pela boca

e vos fez silenciar a palavra de súplica.

 

Os algozes que vos ceifaram a vida,

a mim a vida também cortaram

num golpe de decepar a existência.

 

Desesperado dia esse que vivestes

em que as aves fazem seus ninhos

a inaugurar o vôo da manhã

nos telhados das casas.

 

Essa espada de corte final, Inês,

também me atravessou.

 

Feriu-me também essa espada

guiada por um rei

que abreviou vossos dias num soluço,

a palavra que calastes, Inês,

a percorrer as folhas e a terra,

em mim, destino da crueldade,

em vós, amor que morre

ao cair da tarde.    

 

11.

Não amanhece, Inês, deste lado do Mondego,

onde dorme Coimbra em seu mosteiro,

esta relva de orvalho molhada pela manhã,

assim como se me fosse procurar por vós

onde me perco sempre,

como se possível fosse encontrar

o que nunca se encontra,

um beijo numa bolsa a se despedir da vida,

um lábio calado em murmúrio,

uma frase de amor na palavra fenecida.

 

12.

Deixei-me calar as tardes

para que vos abrisse a porta:

caminhai, pois, no meu quarto, Inês,

deitai na minha cama,

fazei de mim o vosso servo

para que no amor possa viver

o que não vivo,

possa em minha mágoa

trazer-vos para dentro

de meu coração,

onde vivem alguns sonhos,

o vento de Portugal,

as ciladas de batalhas que não sei.

 

Que seja toda a luz de vossa alma,

o aceno de Deus que guardais

num altar de orações.

 

Entrai, pois, Inês, no meu espanto,

para que me possa alcançar a alegria

de um instante somente

em vos ter comigo,

por serdes a dona

e rainha de meu destino.

 

16.

Voltai se for preciso

e andai

nos versos dos poetas, Inês.

 

Assim estareis sempre presente,

como se não tivesse havido

tal sobressalto

que a vós findou a existência.

 

Como se fosse, Inês,

vossa vida a pairar sobre os castelos

pelo tempo que não termina.

Andai, Inês,

pelos campos de Portugal,

e acordai em mim, na minha sina,

o que de vós me resta em minha volta,

o entardecer que já não sinto,

senão a noite que não finda

por vosso desalento.

 

Chegai, Inês, a mim no que me reservo

em vossa volta a colher as folhas do chão,

como se me fosse vos aguardar

à beira dos rios a molhar os pés.

 

Tanta dor aguardo, no entanto,

por vos ver silenciar um beijo à face,

tal murmúrio do vento que vos acalenta,

morto sentimento que me assalta,

que vos traz de volta e vos ausenta.

 

20.

Matou meu pai

a princesa de Portugal

e a ele

dedicarei a minha guerra,

porque tirou de mim

a parte maior da minha vida.

 

Decepou-me as mãos

e cegou-me os olhos,

mas deixou-me o pensamento.

 

Não apenas Inês matou:

matou-me também a mim,

seu filho.

 

No entanto, enganou-se o rei meu pai,

que Inês amarei ainda mais,

e dela serei um servo eterno

para servir-lhe sempre em sua morte

que passa a ser a minha vida.

 

 Tirou-me o que pôde meu pai

em ato insano,

mas deixou-me o coração.  

 

25.

Portugal não sabe, Inês, de vossas juras,

não sabe Portugal do que sentistes na vossa dor,

o sentimento que percorre as campinas

e que em mim vive agora por rancor.

 

Não bastará a morte

para me separar do que vos tenho,

nem bastará tão profunda ausência,

mágoa que me corta no fim de cada dia,

por saber que não mais estareis aqui,

como se fosse esse dia o que se arranca da boca,

de onde escorre o sangue de vossa sina,

a palavra que morre e morta fala mais alto

no altar em que vos celebro,

pois assim haveria de ser,

não fosse o corte de vossa seiva,

planta que sois  

no chão de minha existência.

 

Pois de vossa morte, Inês, ergue-se em mim

o que vai me ferir para sempre,

já eterna sereis

e ao meu lado havereis de viver o que vos tiraram,

o campo desaparecido às ovelhas,

as preces que também morreram em vossa voz.

 

Não ouviu Deus o vosso pranto nem pudestes despertar

a luz do sol apagado entre as folhas das árvores,

a sombra em que caístes

sem que se cumprisse vosso destino.

 

Sois bela, Inês,

na face que guardo nas mãos,

a pisar a relva dos campos

e a calar as águas do Mondego

entre as mulheres que choram,

como se fosse assim dizer-me a mim mesmo

que voltareis por vossa alma

a habitar os castelos de Portugal.

 

28.

Doem em mim os ventos de Portugal,

como espadas a me cortar por dentro,

dói-me a ira de me ver diante de vós

que já não estais senão na morte de tudo,

dói-me sair de mim em vossa busca

e saber-me aflito sem ter onde chegar.

 

Resta-me o grito que percorre os campos

e se deixa entre as árvores e as avencas,

como se de repente saltasse de mim como um cavalo

por um abismo que não termina,

tamanha a chaga contida no meu peito,

o coração que clama e que em mim se desfaz.

 

Diante de vós me calo, Inês,

que a morte é o sobressalto que me escapa,

desses para os quais não há remédio,

em vós me sepulto também com minhas dores,

no olhar que perene me torne à vida,

o coração que bate em mim os meus horrores.

 

Cala-me, Inês, o que não se esquece,

ferem-me cada vez mais meus desenganos,

a face que vos guardo no sentimento,

o sangue que escorre ainda em vossa pele,

a vida que tenho agora no esquecimento.

 

30.

Não findará este amor, Inês,

nunca findará este amor,

porque por serdes vós minha rainha,

será assim para toda gente,

sois em mim o amor que não termina,

princesa a procurar a vida

em vossa morte que tenho por minha sina.

 

Portugal sois vós, Inês,

senhora da minha dor que convosco me sepulto

a calar o ferimento que nunca fechará,

chaga de corte que desespera,

rainha da vida que sois por minha dona,

imensa e eterna é noite à minha espera.

 

Ao vos deixar na terra coberta de flores, Inês,

também sepulto a mim

a fugir doravante a todo lugar,

e a me ferir por dentro tal desatino

mata-me a todo instante vossa ausência

a morrer em mim o meu destino.

 

Portugal sois vós, Inês,

rainha para sempre a quem amei,

o manto com que vos cubro

também cobre a mim na minha sorte,

não termina assim este amor, Inês,

já que para sempre sereis viva na minha morte.

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