Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

O autor na praça

Uma tarde de poesia, emoção e lágrima

Eu não sabia que seria assim. Pensava que o encontro no Projeto Autor na Praça, no Espaço Plínio Marcos, na Praça Benedito Calixto, seria apenas uma breve apresentação de meu livro “Pastores de Virgílio” com uma leitura de poemas. Mas foi uma tarde que nunca mais vou esquecer. Uma homenagem que doravante fará parte de minha vida. Pela palavra de tantos amigos lá presentes, um ato de fé. A começar pela leitura de poemas de Celso de Alencar, Raimundo Gadelha, Whisner Fraga, Ronaldo Cagiano, Owaldo Rodrigues e pessoas que foram dizer poemas das quais não sei o nome. Quando o ator Clovis Torres começou a ler um poema de meu livro “À Noite, os Cavalos”, não deu para segurar. Foi emoção demais: “Álvaro, tira o demônio e dentro/ e fica vazio como um poço./ Corta o cabelo/ e deixa crescer mais a barba/ sem motivo nenhum./ Retira o avião do céu da tua boca/ e deixa calar a nuvem de teu nascimento”. Daí para adiante foi difícil. A tarde começou com  Raimundo Gadelha falando sobre o livro e, a seguir, li o poema “Eldorado de Carajás”. Esse poema foi lido por mim em Coimbra, no Terceiro Encontro Internacional de Poetas”, no qual eu representava o Brasil.

Foi aplaudido de pé por dezenas de outros poetas de vários países que não entendiam uma única palavra em português. E aplaudiram pelo ritmo das palavras. “Eldorado de Carajás” não faz parte de nenhum livro meu, mas está publicado em quatro antologias de poesia em Portugal. Depois de ler esse poema, fui procurado no hotel em Coimbra por uma editora. E comecei, então, a publicar um livro a cada ano, em Portugal. Esse poema foi o mais discutido no evento. Na verdade, estou repetindo o que escreveu a professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, escritora Graça Capinha, no prefácio de meu primeiro livro publicado em Portugal “Vinte poemas quase líricos e algumas canções para Coimbra”.

Depois de minha leitura, os poetas presentes começaram a ler seus poemas. Chegou-se então a mim a atriz Marisa Carnicelli, com muitos recortes de jornais de quase trinta anos, com entrevistas sobre minha peça “Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo”, que recebeu o Prêmio Anchieta, então uma das maiores láureas do país para teatro nos anos 70. A peça ficou censurada por seis anos. E quando pôde ser montada tive de modificar algumas coisas. Por exemplo: tudo se passa numa cela, mas troquei o ambiente por um consultório médico. Marisa fez um dos papéis da peça, composta de três personagens masculinos e uma mulher. Foi muita emoção. Abraçou-me e me mostrou todos aqueles recortes de jornais, com fotografias da peça. Por fim, Marisa também leu um poema meu. A sempre presença da amiga Eunice Arruda. A Cristina Livramento, editora do Jornal da Praça, fazendo todos de todos os lados. A Priscila, que faz este blog, com seu pai Augusto e sua mãe Maria Xavier. Tantos amigos que não via há tantos anos. Luiz Ernesto Kawall, que me me presenteou com uma bela foto antiga de Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros. Jorge Narciso Caleiro Filho, que me ofereceu um Caderno com seus poemas, dizendo o quanto se espelha em mim. Não bastasse tudo isso, chega de repente uma senhorinha com um grande envelope. Apresenta-se a mim e diz que era a esposa de meu professor de violão, quando eu era adolescente. Mostra-me o exemplar com meu autógrafo de meu segundo livro, “Tempo Final”, um recorte de jornal com as primeiras notícias sobre mim e um desenho meu em nanquim e aquarela que eu lhe presenteei em 1963. E também Patrícia Cicarelli, que escreve um livro sobre mim e que vai a todo lugar onde estou para anotar coisas. Disse-me que essa tarde no Espaço Plínio Marcos foi marcante para o livro que está escrevendo. E entre tudo que ocorreu, uma cena que me deu um aperto no peito: um mendigo que anda pela praça se aproximou dizendo que gostava muito de mim e me ofereceu um poema escrito num papel todo amassada. Assim como chegou, desapareceu. Gostaria de ter conversado com ele. E por fim, a amizade de Edson Lima, que dirige o Projeto Autor na Praça há dez anos, com sua mulher que tem na praça Benedito Calixto um ponto de comidinhas portuguesas. Edson é um batalhador. Deu-me, no final, um CD, “Os mestres mulatos” – sinfonieta dos devotos de Nossa Senhora dos Prazeres. Para completar, agradeci sem saber ao certo o que devia dizer, mas me reportei à mentira da cultura brasileira, especialmente no que diz respeito à literatura e à poesia em particular. A mentira de suplementos culturais desonestos, feitos por gente sem compromisso com a História, sem compromisso com nada, que inventa nomes de “poetas” da noite para o dia, “poetas” que desaparecem do dia para a noite. Tudo em tom de uma louvação à mediocridade de um país sem identidade, o país da esperteza, da coisa torpe. Foi uma tarde de poesia, emoção e lágrima. Não vou esquecer nunca mais.

ALGUMAS FOTOS:

fotos de Cristina Livramento

O poeta fala ao público presente ao Projeto Autor na Praça

Raimundo Gadelha fala sobre “Pastores de Virgílio”

Plateia, vendo o poeta ao centro

Plateia na praça

Celso de Alencar, Patrícia Cicarelli, atriz Mariza Carnicelli, poeta e Whisner Fraga

Whisner Fraga

Ronaldo Cagiano

Edson Lima

Celso de Alencar

Edson Lima e o ator Clovis Torres

O ator Clovis Torres lê um poema de Álvaro

Leitura de Ronaldo Cagiano

Leitura de Whisner Fraga

Leitura de Oswaldo Rodrigues

A atriz Mariza Carnicelli fala sobre a peça do poeta “Salve-se quem puder que o jardim está pergando fogo”, dos anos 70, que ela protagonizou

Público

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