Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Panorama Editorial

Revista Panorama Editorial – junho/2008
Coluna Opinião – artigo de Álvaro Alves de Faria (1 página inteira)
publicação da CBL- Câmara Brasileira do Livro/Tiragem:10.000 exemplares/mensal/nacional
http://www.panoramaeditorial.com.br

Opinião

A PRESENÇA DO LIVRO

Álvaro Alves de Faria
Jornalista, poeta e escritor

Meu primeiro contato com um livro ocorreu quando eu tinha pouco mais de 13 anos. Aos 12 eu era jardineiro no bairro do Brooklin Paulista. Depois, mesmo sem a idade mínima de 14 anos, fui ser operário numa fábrica de canetas. Escrevi meu primeiro poema aos 11 anos de idade.

O primeiro livro achei no lixo, diante de uma casa, ao meio de uma porção de revistas da época. Era o Eu, de Augusto dos Anjos, meu primeiro poeta lido, que hoje considero ser o único poeta brasileiro universal. Logo depois, já numa biblioteca, os livros de Álvares de Azevedo e a seguir livros com as histórias dramáticas de santos da igreja católica. Aos 16 anos, contínuo no Correio Paulistano, que ficava na rua Líbero Badaró, escrevi meu primeiro livro, Noturno Maior, lançado em 1963, quando começavam a se reunir em torno do editor Massao Ohno e que seriam conhecidos depois como “os novíssimos”, os jovens poetas da Geração 60 de São Paulo.

Já no Jornalismo, ao longo do tempo, nos suplementos culturais, revistas, rádio e TV, sempre me dediquei ao Livro, como crítico literário, e por esse trabalho recebi por duas vezes o Prêmio Jabuti de Imprensa (1976 e 1983) e dois prêmios da APCA (1988 e 1989). Mas aquele velho livro de Augusto dos Anjos, que guardo até hoje, mostrou-me o mundo e a poesia. Marcou-me a vida. A poesia marca a vida de algumas pessoas. Nem todas. Mas só de algumas. Senti em Augusto dos Anjos o que era ser poeta. A ele escrevi uma peça de teatro, nos anos 70, homenagem a um poeta que me acompanha sempre e que sempre releio versos que vivem em mim.

 Alguém já me chamou atenção para um fato que ainda não mereceu de mim um estudo mais profundo, porque necessitaria entrar em outras áreas da existência. Refiro-me aos dois poetas mais amados desde minha infância e que, de alguma maneira, determinaram minha poesia. Augusto dos Anjos (AA), Álvares de Azevedo (AA) e eu, Álvaro Alves (AA). Mas essa é outra história que ainda serei chamado a nela mergulhar no que há de oculto e de mágico.

 Depois vieram os livros, a dedicação à leitura, o encontro quase diário dos “novíssimos” na escadaria da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, à procura de livros. As Livrarias Marconi e a Brasiliense. Os recitais de poesia nas escolas. Até que fiz O Sermão do Viaduto, com microfone e quatro alto-falantes em pleno Viaduto do Chá. Foram nove recitais e cinco prisões como subversivo, em meados dos anos 60. A última prisão foi dolorosa. O medo atingiu-me em cheio. Fiquei sete anos sem escrever uma linha. Perdi sete anos de minha vida literária. Até que, em 1973, publiquei 4 Cantos de Pavor e Alguns Poemas Desesperados, não parando mais de publicar praticamente todos os gêneros, romances, contos, crônicas, ensaios literários, livros de entrevistas literárias. São mais de 50 livros, a maior parte de poesia.

Sou fundamentalmente poeta, na literatura e na vida. Tenho hoje uma biblioteca de 10 mil livros, reunidos ao longo de mais de 40 anos de verdadeira militância na poesia, particularmente, atualmente vítima de alguns facínoras que têm amplo amparo num jornalismo cultural que não tem compromisso com nada. Por esse motivo, meus últimos seis livros de poemas – excluindo-se Babel (Escrituras Editora, 2007) – foram publicados em Portugal. Transformei-me num poeta português. Fui a Portugal buscar minha alma e minha poesia aqui perdida. Digo sem receio de erro: As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

Babel, 50 poemas inspirados na escultura Torre de Babel, de Valdir Rocha, ganhou o Prêmio da Academia Paulista de Letras de 2008, o que me significa um alento neste país árido de ideias e sentimentos. Sei que a poesia morreu na paisagem delinquente que se vê por aí. Mas é preciso buscá-la sempre, como Augusto dos Anjos, como Álvares de Azevedo, os poetas da minha infância.

Como o menino de 11 anos de idade que escreveu seu primeiro poema ao seu cão, com todas as rimas em “ar” e “ao”, as mais fáceis da língua portuguesa. O pequeno poema publicado no jornalzinho da Associação Amigos do Bairro do Brooklin. Depois era a vida a seguir e os livros sempre ao redor, os poemas traduzidos para vários idiomas, uma antologia em Salamanca, na Espanha, livros em Portugal, leituras de poemas em Coimbra e Lisboa. Sempre os livros a determinar a vida. Desde aquele encontrado num lixo, a figura de Augusto dos Anjos, meu poeta querido e todos os outros poetas brasileiros que me merecem respeito.

 O livro é esse objeto de sentir quando se tem junto, com quem se conversa, com quem se chora, com quem se fala. Esse livro que me acompanha sempre. Meu universo existencial. A respiração.

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