Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Poemas 1

POEMA 27

O poema diz o que não sabe
e se transforma no que não é
e nunca será.

O poema esquece e se fere
nas palavras antigas
de um dicionário morto.

O poema exclama na voz do poeta
versos que não cabem numa estrofe,
canta o canto que não existe mais,
distante de seu tempo.

O poema morre no poema,
morta poesia
na paisagem do nada,
onde se guarda a memória,
o que sempre deixa de ser.

O poema não é,
por mais que queira ser,
não é,
apenas pensa existir
no espaço exíguo
da palavra.

O poema não interfere,
o poema cala,
o poema não sente,
o poema que se finge,
o poemorto,
o poemente.

De “Babel”, 2007

POEMA 28

Não canto louvores a nenhuma revolução,
nem tenho bandeira alguma para hastear.

Faz 29 dias que não falo uma única palavra.
Esqueci o som de minha voz.

Mas não estou perdendo nada que me seja importante.
Esta voz que se calou em mim não tinha nenhuma serventia.
No máximo, preenchia o pequeno espaço do nada.

Queria ir mais vezes a Portugal
para poder limpar-me
do que não desejo mais.

Queria entardecer em Coimbra
ao bater de um sino qualquer
no início da noite.

Para mim todas as noites são iguais.
mas em Portugal é diferente.
As aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá.

O arame que me coloquei na boca
também me salva de alguns infortúnios
de dizer-me o que não quero mais ouvir,
os poemas que não me dizem respeito,
distantes que estão do que me resta da realidade,
esse espelho nítido de um grito,
aquele suicídio lento de todos os minutos,
a imagem sempre derradeira
do que deixou de ser.

De “Babel”, 2007

POEMA 29

Sou pela Monarquia.
O Brasil devia ter um rei,
um príncipe, uma princesa,
uma rainha.

Sou pela Monarquia,
assim poderia oficializar
de vez
minha condição de vassalo.

Mas no fundo
sou mesmo o bobo da corte
e faço rir os que estão no poder
sentados nos tronos
de ouro e pedras preciosas.

O Brasil devia ter um rei
como a poesia brasileira
que tem sempre algum monarca de plantão,
atoleimado na santa ignorância
a ditar ordens em praça pública,
atrás do patíbulo.

Sou pela monarquia poética
e quero dormir com a rainha
e fazer com ela
o que não faço com uma puta.

Amo todas as putas brasileiras
e como elas faria minha corte
fosse eu rei de alguma coisa.

Sou pela Monarquia.
O Brasil devia ter um rei.

Se eu fosse um rei,
aos poetas ordenaria
que desaparecessem:
assim seria mais fácil viver.

De “Babel”, 2007

POEMA 30

Sou um poeta em via de extinção,
daqueles que acreditavam no sonho,
sobretudo na poesia.

Daqueles que utilizavam as palavras para escrever
e nesse exercício solitário deixavam que a vida
escorresse no poema.

Sou um poeta em extinção,
ridículo como uma carta de amor,
tipo que se emotiva à toa
a qualquer pretexto para sentir-se só.

Daqueles que de alguma maneira
passeavam com animais imaginários
e guardavam uma ovelha no quarto.

Daqueles que às manhãs acreditavam num novo dia
e aguardavam a tarde chegar conversando com as formigas.

Daqueles poetas que não existem mais
porque a poesia mudou
e se antes vivia nas sombras
era sua descoberta que importava.

A poesia pertencia à vida do homem,
dos bichos, das plantas e das pedras,
mas hoje isso é sonhar demais.

Tanto sonho não cabe mais na cabeça de um poeta,
só nos que estão em via de extinção,
daqueles que iam à igreja para esconder-se do mundo
sem saber que a igreja é o esconderijo de Deus.

Nas madrugadas era possível falar-se sozinho,
mas hoje a boca se fecha inerte
ao passar das horas paradas nos relógios.

Sou daqueles poetas que já morreram
pedindo pela liberdade
quase sempre ferida a golpes perversos
da força e da crueldade.

De tal forma
que não há mais lugar para poetas assim,
senão o resto da sina
não de seguir,
mas de parar nas esquinas
sem perceber os sobressaltos.

De “Babel”, 2007

DECISÃO

Deixei de falar
e pensar
não penso mais.

Deixei de escrever
também
deixei de ouvir.

Para mim
as palavras
morreram
definitivamente.

No entanto
conservo o olhar
e permaneço
diante do oceano
a me observar
partindo de mim
todos os dias
não sei exatamente
para onde.

Sempre que volto
trago pérolas
que devolvo
imediatamente ao mar.

Quando anoitece
adormeço
para a vida
e então
me deixo esquecer
sem respirar.

De “Sete anos de pastor”, Coimbra,

CARTA POEMA AO AMIGO
POETA CARLOS FELIPE MOISÉS

Escrevo amigo
em tom de despedida:
na falta de alguma coisa importante
para fazer
devo matar-me no final da tarde
ao anoitecer para ser mais exato.

Devo tomar uma xícara de veneno
misturado ao chá com açúcar.

Primeiro vem o sonho
depois o desespero e a dor.
Tudo no entanto passa:
a dor é invisível
e o desespero as pessoas não sabem.

De forma que deixo
estas palavras vãs
e o abraço que me falta
ao me abraçar sem convicção.

Deixo algumas estrelas na gaveta
uma lua cheia no teto do quarto
e meus sapatos sem rumo.

A vida transcorreu em silêncio
e de ausências se fez
a janela aberta ao mundo.

Tudo foi como tinha de ser
nem mais nem menos:
eu só devia ter amado mais as manhãs
devia também ter ficado mais junto do mar.

Isso agora é tudo passado
dessas coisas que não existem mais.

Ao anoitecer os pássaros pousam nas árvores
e as pombas procuram as igrejas
as mulheres choram sem destino
e a poesia se torna inútil
essa poesia que me feriu
e aos poucos plantou a morte
no jardim que nunca tive.

Fecharei a casa como se fosse viajar
apagarei a luz da sala
e lerei os poemas líricos de Camões
para não me afligir.

Não sei morrer
sem me debater entre os móveis.

Depois tudo será esquecimento
que a vida esquece
o pranto de cada dia
e a cada dia acrescenta
um corte no ferimento.

Por mais que tudo seja
quase tudo foi em vão
como se nada tivesse havido.

Vou voar
ave que sou no entardecer
da noite agora me visto
sem mais amanhecer.

De “Sete anos de pastor”, Coimbra,
Portugal, 2005

Há um momento certo
para se escrever um poema.
Uma hora certa.

Há um dia certo
para se escrever um poema.

Uma vida inteira.

(Poema para Mariana Ianelli)

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